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Os germens de Música Natureza

  • Foto do escritor: Lucas Weglinski
    Lucas Weglinski
  • 5 de mar.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 7 de mar.

Os germens de Música Natureza

 

Germens, o mesmo que raízes, sementes, cicatrículas, embriões, esporos, fetos, germes...

 

O que leva à concepção de um filme, que nada mais é do que uma floresta rica em variados elementos, fauna e flora diversas, ancoradas num solo vivo? Dificilmente um indivíduo, pois nem mesmo uma única árvore vinga só...vinga aqui no sentido euclidiano, de vencer as intempéries da dura vida... pois mesmo a solitária árvore vai depender de raízes coletivas, fungos, polinizadores, água, sol, ventos e muitos outros elementos...

 

Dito isso, um filme nunca é sobre uma pessoa, muito menos realizado só por uma pessoa, mesmo quando essa pessoa jogue nas onze e faça roteiro, câmera, montagem, direção, desenho de som, produção...até porque ninguém joga nas onze por escolha própria, pelo contrário, joga por falta de escolha, mas nunca de fato sozinha, sempre é através de um coletivo que realiza, assim, mesmo diante de um árido cenário onde a cultura ainda não é (re)conhecida como infra, e não super, estrutura.

 

Voltando ao sobre, um filme sobre alguém, nunca se limita ao indivíduo, pois como lembramos não há árvore verdadeiramente solitárias na terra...não há o um, e apenas o um, na natureza há micro e macro cosmos de uns e muitos que formam um organismo que pode até dar a falsa impressão de unidade. Ah que papo doido hahaha... é porque na cosmovisão indígena, nossa ancestralidade de Abya Yala, aprendemos que tudo está conectado ao todo! E isso se deve levar ao audiovisual que muitas vezes acaba confundido com o show de egos que acabou desaguando no que chamam redes sociais.

 

Cinema não é isso, Música Natureza não é isso. O filme sobre Léa Freire é um filme sobre Alaíde Costa, Filó Machado, Manezinho da Flauta, Zimbo Trio, Originais do Samba, Rua Augusta fervilhante, Praça Roosevelt nascendo, Clubes de Jazz hoje extintos, a Noite como sempre, a Febem hoje Fundação Casa, a opressão do Estado ou da família, do machismo, do preconceito, da fome em suas perversas muitas formas, a injusta pobreza em diversos estados, a dor da exclusão, a delícia das raízes culturais da rica terra brazyl, as amizades que nos curam e renascem, o empoderamento pela Arte, a revolução pela educação, o cuidado de si e o cuidado de enxergar o outro, o reconhecimento e também o desprendimento, o espelho do espelho, o que une e o que difere uma Silvia Góes de uma Joana Queiroz, o não pertencimento ao Choro, ao Samba, ao Jazz, ao chamado Erudito, o transbordar fronteiras, o Sinfônico a partir de cores brasileiras, o nordeste reverberado em orquestras, a cor e o gênero de quem atua em orquestras, as escolas públicas de música, as crianças presas e as crianças soltas no mundão, donas de si, o timbre de uma tempestade tropical, o tempo do vento, a ardência de uma maré, tudo isso é Música Natureza, tudo isso é Léa Freire...como cantavam os Canudenses no momento da morte de Conselheiro: Antônio você agora não é mais só você....

 

Léa Freire também não, e ela sabe disso. Léa Freire é tanto a sua mãe com ouvido absoluto que sai tocando impossíveis partituras ditas clássicas só de vê-las, mas Léa é também o Zimbo Trio no malicioso balanço da brasilidade improvisada, suingada, bebe no samba dos Originais, na africanidade ancestral que quebra a dureza colonial, na dor do canto negro de uma Alaíde, a perfeição de quem ela é, aquém e além do que a branquitude da sua triste época permite, nos acordes apaixonantes de um Filó Machado incorporado num indomável Deus Música, no transe dos dedos lavrados de um Manezinho da Flauta, apagado do pobre consenso de uma idéia de olimpo musical, num Quarteto de Cordas da cidade de São Paulo, fundado por Mário de Andrade à explosão pós atômica de um Câmaranóva que fecha o filme, na força viva da madura e certeira Orquestra da Universidade Pública e no transbordante entusiasmos da jovem Orquestra do Projeto Guri e suas mais de 300 escolas públicas de música que resistem pelo estado de São Paulo, sempre alvo da ganância dos governadores que não querem gastar “tanto dinheiro para isso”, isso é nossa criançada, ovo do povo novo, tesouro maior, mas também num berro de uma criança pobre enjaulada numa prisão infantil desumanizada baixo o horror que a sua classe social lhe impõe em contraposição à liberdade de um improviso furioso num clube de jazz de uma noite ébria dos anos 70 num Bixiga ou rua Augusta que foram também destruídos em resposta a essa audácia anti castas, como destruídos os sonhos, a memória de um país, os rolos vinagrados de 16mm filmados pelo pai da Léa ou os de 35mm da TV Cultura, que generosamente guardam arranhadas lembranças do que esse país avançou e como maré recuou, pois é Brasil Latino Sul Global...tudo isso é Léa...Amazonia, Sertão, Praia, Megaurbe poluída, engarrafamento, ruído branco e silenciamento. Mulher. Música.

 

Não existe certo ou errado, bonzinho ou malvado, existe a vida crua e as escolhas diárias de como atravessá-la e com quem, por quem, por que? Léa é um delicioso labirinto que nos leva a percorrer o que de nós mesmos ali enxergarmos e uma provocante faísca para lutar por tudo e todes que quisermos transformar. Seu som é único assim como seu veneno remédio de que a Música é medicina! Medicina no sentido indígena, um elixir que vai te alçar à mais fina luz e também te afogar na mais pura e densa sombra de um infinito jardim, onde tudo dança, há dor, amor, humor... e onde um sujeito não termina em si, mas em muitas outras notas, especialmente naquelas que transmitem, multiplicam e exponenciam seus sóis. Pulmões de flautistas em contração ou expansão, ares em movimento constante. Elementos num balé furioso e belo como o Cosmos. Essa é a Música Natureza.

 
 
 

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